"O pai pedira dinheiro emprestado ao banco e agora o banco queria as terras. (...) Um homem, uma família expulsos das suas terras, esse veículo enferrujado arrastando-se, rangendo pela estrada, rumo ao Oeste. Eu perdi as minhas terras; um tractor, um só, roubou-mas. Estou sozinho e desnorteado. E uma família pernoita numa vala e outra família chega e as tendas surgem. Os dois homens acocoram-se no chão sobre os calcanhares e as mulheres e as crianças escutam em silêncio. Aqui está o nó, ó tu, que odeias as mudanças e temes as revoluções. Mantém esses dois homens afastados, faz com que eles se odeiem, se receiem, desconfiem um do outro. Porque aí começa aquilo que tu receias. Aí é que está o germe do que te apavora. É o zigoto. Porque aí transforma-se o «eu perdi as minhas terras», rompe-se uma célula e dessa célula rota brota aquilo que tu tanto odeias: o «nós perdemos as nossas terras». Aí é que reside o perigo, pois que dois homens nunca se sentem tão sozinhos e tão abatidos, como um só. E desse primeiro «nós» nasce algo muito mais perigoso: «eu tenho algum pão» mais «eu não tenho nenhum». E o resultado desta soma é: «nós temos alguma coisa». Então a coisa toma um rumo; o movimento passa a ter um objectivo. Basta, nessa altura, uma pequena multiplicação e esse tractor, essas terras são nossas. Os dois homens acocorados numa vala, a pequena fogueira, a carne a fritar numa frigideira comum, as mulheres caladas, de olhos fixos; atrás, as crianças escutando com o coração as palavras que o seu cérebro não alcança. A noite desce. A criança constipa-se. Olhe, tome esse cobertor. É de lã. Pertenceu a minha mãe. Tome, fique com ele para a criança. Sim, é aí que tu deves lançar a tua bomba. É este o começo da passagem do «eu» para o «nós».
Se tu, que tens tudo o que os outros precisam ter, puderes compreender isto, saberás também defender-te. Se tu souberes que Paine, Marx, Jefferson, Lenine, foram efeitos e não causas, sobreviverás. Mas isso é que tu não podes compreender, pois que a qualidade de posse te cristalizou para sempre na fórmula do «eu» e para sempre te há-de isolar do «nós». "
John Steinbeck
"As vinhas da ira"
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